terça-feira, 16 de julho de 2013

De sol, cítricos e simetria

Gosto de chupar mexerica no sol; na calçada da rua ou no quintal; às onze horas, mais ou menos ou antes das dez. Ou seja: antes ou depois do programa do Padre Reginaldo. Sim, sou noveneira (mas isso é papo para outro post). É quando faço meu primeiro intervalo da senzala intelectual.

Quando estou na calçada de casa tem dois inconvenientes: ter que segurar os caroços na mão para depois jogá-los no devido lugar e, quase sempre, ser interrompida na minha conversação íntima, pelos: "oi, Rosana", "ow dona, onde mora fulano de tal".

Quando estou no quintal só tem um inconveniente: um calango que fincou morada, trouxe a família, que se assusta comigo e eu com ele, pois sempre penso que pode ser um rato. E rato não é coisa de Deus.

Chupar mexerica no terreiro, sim... é coisa de Deus. Não ajunto os caroços e vou jogando-os no espaço - de fora a fora - no que antes havia uma horta cultivada pelo ex-marido. Hoje nesse espaço há: um pé de boldo, porque quem é de Deus se protege; dois pés de ervas-cidreiras, um de ramo, outro de folha e um pé de carqueja - que eu, na minha ignorância, pensava ser pé macho e Houaiss acaba de me dizer que é fêmea - que dizem curar tudo que é doença, mas nunca usei para mim. Quedizê: tô erradinha.

Quase sempre que estou no terreiro apreciando essa delícia de fruto eu fico me perguntando: por que de manhã, por que no sol? Nunca encontro resposta. E volto ao passado, quase que automaticamente. Na calçada não... depois de me fazer essas mesmas perguntas, finco pé no presente, nos trabalhos e nos mimimis dessa minha vida...

No quintal é mais leve, mesmo que seja em meio a uma colocada de roupa na máquina ou uma apanhada de roupas no varal e o fruto ali, na mão, à espera da folginha. No quintal fico me lembrando dos frutos cítricos apreciados na minha infância. E não é de mexerica que me recordo. Eu me recordo das laranjas que meu pai descascava para nós. Uma belezura de descasque!!! Com uma faca de serrinha ele fazia com que a laranja ficasse com os fiozinhos verdes das cascas numa mesma distância, como que simetricamente medidos. Não eram medidos, claro; era uma questão de prática. Na minha lembrança vem uma história de que não podíamos descascar laranjas porque íamos nos sujar e sujar a cozinha e a pia e o diabo a quatro. Nem ligava. Era lindo, honroso, chupar uma laranja descascada, pelo meu pai, com tanta maestria.

Chupar mexerica no quintal é mais leve porque ao me lembrar dessas laranjas "obras de artes", me recordo, quase que de imediato, dos limões que eu chupava sem fazer careta. O que se tornou uma especialidade. Criança tímida, feia e sem nenhuma criatividade... encontrei nessa "arte" um jeito de mostrar um dom, de aparecer. E quando visitas chegavam em casa, a boboca aqui que não sabia fazer nada diferente ia demonstrar seu número circense: "vejam só a Rosana chupando limão sem fazer careta", e a maravilhosa fazia seu número, ganhava sorrisos espantosos, aplausos e saia satisfeita com aquela atenção... só que, vez ou outra, e às escondidas, fazendo mil caretas.

Mexerica chupada, caroços jogados na ex-horta, uma visita à infância e plim... já deu, é hora de voltar para o presente, para a senzala intelectual... porque ninguém vive só de sol, frutos cítricos e passado. O meu presente está aqui - delicioso feito laranja e mexerica, amargo feito limão - e eu no comando dele... buscando formas simétricas para um desenho mais bonito.

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