sábado, 2 de fevereiro de 2013

Das mães despedaçadas

Muito se falou e muito se falará a respeito dessa tragédia horrível ocorrida em Santa Maria.
"Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós... as mães!!" É sempre assim que ao me deitar rezo por minhas filhas: quando elas saem, quando viajam, quando não estão por perto. Quedizê: atualmente em vez de rezar nesse desespero por uma, rezo por duas, em vez de rezar um dia ou outro, rezo todos os dias.
A aflição virou agonia. Há uma confusão com os nomes e os rostos das duas, sem ordem alguma.
Mas... claro, há desordem na agonia, no desespero de mãe. De mãe que tem filho morando longe.

Desde domingo penso nas mães daqueles jovens de Santa Maria e não consigo mensurar a dor de nenhuma delas. Muitas tinham os filhos mais perto do que eu tenho minhas filhas perto de mim. Tão perto que elas se sentiam mais protegidas da agonia de quem tem filho longe. Nem assim escaparam da dor.

Uma vez, quando eu era bem novinha ouvi de alguém - que não sei mais de quem... nem sei afirmar se ouvi mesmo ou se foi uma abstração em decorrência de algo que eu tenha ouvido e não entendido bem -; mas enfim... ouvi dizer que se eu "imaginasse" uma possível desgraça com alguém que eu amasse muito, nada de ruim aconteceria com aquela pessoa. Meio que um pensamento "positivo" às avessas. Me ensinaram que se alguém que eu amasse pegasse um ônibus, por exemplo, eu teria que pensar: o ônibus pode bater. Ele não bateria. Era certo isso!!!! Me ensinaram que as desgraças só ocorreriam com os meus se eu me descuidasse desse "exercício".  

E assim vim levando a vida com as filhas que saiam para uma balada ou para uma viagem: pode acontecer isso. E depois vinha - vem - a oração: Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós... as mães!!! Santa Maria!!!

A cada desgraça havida no mundo: massacre em escolas; violência urbana; acidentes automobilísticos; e tragédias como as de Santa Maria... eu me sinto mais sofrida, miúda, com medo. Sem chão. E aumento o rol de desgraças para pensar e, como consequência, me ver livre delas. Parece loucura. É. É loucura de mãe que não entende a mudança da ordem das coisas.

Filho não foi feito para morrer antes de mãe. Não fizeram nem nome para dar à mãe que perde filho. Há palavras como órfã e viúva, para quem perde pai, mãe ou marido. Para mãe que perde filho não há nada ainda para designar. E se não há é porque não deveria ser.

E em meio a essas desgraças percebo que o ruim ronda onde deveria haver só compaixão: é bicho fazendo piada, é animal comparando ironicamente mortes de Santa Maria com mortes por fome ou tráfico de drogas. Nada a ver. Quem se comoveu e se comove com a tragédia de Santa Maria não despreza as outras tragédias. É tudo muito diferente. Quem se comove com a dor das mães de Santa Maria é porque sabe, também, que não se mobilizou nem se mobilizará para que outras tragédias, como a de domingo, não ocorra mais. Ou alguma mãe passará a fazer vistoria em cada lugar que seu filho quiser ir? Quem se comoveu é porque se sente de mãos atacas, é porque não sabe o que fazer, como fazer ou se fará...

E esse não saber leva muita gente a culpar o outro. Mas tá tudo errado!!!! Como culpar agora o moço da banda se ele sempre fez o que fez? E muita gente sabia disso: os prefeitos dos lugares onde faziam os shows; os contratantes; os donos das boates; os bombeiros; os pais; as mães; os filhos. Eu.
Ninguém que podia fazer algo fez. Faremos? Por certo que não. Não todos. Talvez as mães e os pais de Santa Maria. Os outros continuarão como eu: rezando, pensado positivo de verdade, positivo às avessas ou apenas confiando que com os seus nada de ruim acontecerá.

Sofremos muito com essa tragédia e sofreremos ainda por muito tempo  porque temos consciência de que não fazemos direito nosso dever de casa: não cobramos segurança, não simulamos tragédias, não nos imaginamos nunca no lugar dessas mães sem filhos e quando imaginamos paramos no: "o ônibus pode bater..." rezamos um "Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós... as mães!!, viramos para o lado e mesmo cheios de agonia procuramos dormir confiantes de que nossos filhos estarão protegidos. Nunca estão. Nunca estamos!!!

3 comentários:

Café e Anfetaminas disse...

todo lindo, mas isto aqui emocionou demais: "Não fizeram nem nome para dar à mãe que perde filho. Há palavras como órfã e viúva, para quem perde pai, mãe ou marido. Para mãe que perde filho não há nada ainda para designar. E se não há é porque não deveria ser."

Rosana Tibúrcio disse...

Escrevi umas cinco páginas na segunda-feira, assim, desenfreada. Venho tentando resumir desde então; organizar as ideias. Parece que resumi. Não organizei nada.

E né Jéss... não tem nome mesmo pra mãe com filho "morrido". Que Deus me abençoe pra nunca precisar desse nome.

Helô disse...

Nossa minha amiga, chorei por essas mães enquanto lia. E como agradeço pela vida das minhas filhas, todos os dias.