quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Quarenta e quatro, nem mais nem menos

"Quarenta e quatro reais, só o remédio, Seu Geraldo*??" Igor** perguntou rezando para que tivesse entendido errado. Em milésimos de segundo, pensou: "ele falou trinta e quatro."
"Sim, quarenta e quatro, nem mais nem menos, já fiz muito em abrir a farmácia, numa hora dessas pra te atender." Foi o que disse, de forma grosseira, o dono da única farmácia do bairro onde morava.
"Mas Seu Geraldo eu juntei tudo que tinha em casa e só tá faltando cinquenta centavos, faz pra mim por esse preço. Minha mãe tá morrendo de dor, preciso diminuir o sofrimento dela e só esse remédio..."
Igor não acreditava que justo aquele homem que fora patrão de sua mãe por mais de vinte anos teria coragem de deixá-la morrer. Se bem que todos da redondeza conheciam o jeito rude e dominador de Seu Geraldo.
Nem dizendo sobre a dor de sua mãe ele se comoveu. O que fez, além de dizer não, foi empurrar Igor para fora do estabelecimento e fechar porta. Não sem antes falar: "já ajudei muito a sua mãe na vida, menino, já é hora de vocês se virarem."
Desesperado ele foi pra casa, cabeça baixa de tanta tristeza, mas também atento e com uma pontadinha de esperança. Quem sabe por ali naquelas ruas ele não acharia os cinquenta centavos faltantes? Isso acontecia de vez em quando.
Entrou em casa a tempo de ouvir um grito de sua mãe. Desesperado pensou em como a vida tinha sido cruel para ela e irmãos. Parou em frente à porta do quarto pensando no melhor jeito de contar que não havia conseguido o remédio. De repente seu rosto ficou mais brando; foi à cozinha, abriu uma das gavetas do armário e retirou a faca mais afiada da casa.
Saiu rapidinho e, ainda, sem fazer barulho, colocou a faca sob a jaqueta e foi em disparada, rumo à farmácia; os quarentas e três reais e cinquenta centavos num dos bolsos da calça e, dessa vez, ele não se preocupou se, ao correr, perdesse uma das notas ou moedas.
Chegou à farmácia, gritou novamente por Seu Geraldo. O homem veio atendê-lo, bastante irritado.
Igor olhou de forma bem segura para aquele homem e disse: “Seu Geraldo, vê aí o remédio pra minha mãe, por favor, bem rápido porque ela está sofrendo muito, coitada.”
O homem entregou o remédio para Igor e recebeu, de volta, as notas e moedas. Igor virou as costas rapidamente para ir embora, quando ouviu a voz ríspida e autoritária de Seu Geraldo.
“Espere aí, meu rapaz, só depois que eu conferir o dinheiro, de verificar se aqui tem os quarenta e quatro reais é que eu deixo você ir embora.”
Igor ouviu, parou, tirou a faca que trazia sob o casaco, olhou firme para aquele homem rude e disse: “Seu Geraldo, o que tem aí é o mesmo valor que eu trouxe da outra vez: quarenta e três reais e cinquenta centavos. Mas o senhor escolhe: ou me deixa sair com o remédio e fica com esse dinheiro aí e salvamos minha mãe ou eu lhe dou quarenta e quatro facadas, nem uma a mais nem uma a mesmo, vou embora em seguida, cuido de minha mãe e depois nada mais me importa."
Os últimos sons que Igor ouviu na farmácia foram: a voz trêmula de Seu Geraldo dizendo “tá, meu filho, não precisa me pagar quarenta e quatro, pra você eu faço por menos”; o baque de um corpo caindo e o barulhinho de moedas rolando pelo chão...


* Geraldo significa: domina com a lança
** Igor significa: herói, defensor
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