segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Severino, o "grande"

Severino tinha um carro enorme e quase não "cabia" naquele veículo, mas era lá que se sentia um homem grande. Pisava no acelerador, buzinava de forma irritante e ia pra casa ou pra onde ninguém sabia ao certo. O destino não importava ele queria era seguir na frente de qualquer motorista. De mim então...
Severino era magrinho, pequeno,“cabeça grande”: era inteligente e tinha opinião sobre tudo. E expunha, defendia, essas opiniões. De tudo ele entendia: política, música, literatura, filosofia, cinema, televisão. Odiava televisão aos domingos e, de vez em quando, dizia: “é hoje que vou me deparar com a voz insuportável do Paulo Henrique Amorim e com aquela Glória Maria saltando de asa delta e dizendo que o mundo é lindo...” Completava: “detesto Fantástico que, de fantástico, nada tem.”
Severino tinha um jeito de falar engraçado, eu ria muito dele e com ele. Como era encrenqueiro, meu Deus!! Pra tudo ele era o certo. Eu me dava bem com ele, por incrível que pareça. Logo eu, que tenho fama de encrenqueira, também.
Eu adorava ouvir suas impressões e, na maioria das vezes, discordava do que ele pensava, mas mesmo assim admirava os argumentos que tinha. Eram coerentes dentro da sua quase sempre incoerência. Aumentava o tom de voz e levantava os braços pra discordar. Como um político faz quando discursa. Oww e ele amava o discurso... pra tudo ele discursava... rs
Eu só não gostava de ver Severino dentro daquele carro. Por várias vezes nos encontrávamos num desses semáforos que havia no caminho do trabalho ao bairro que morávamos. A casa dele ficava uns quatro ou cinco quarteirões acima da minha casa.
Num dos semáforos da rua principal, Severino parava do meu lado ou me pedia passagem e eu gritava algo parecido com: “vai na frente que o mundo é seu”. Ele soltava uma risada e ia.
Num dia qualquer a cena se repetiu. Notei, porém, que tinha algo diferente, pois encostei o carro pra dar passagem, fiz minha costumeira saudação, mas ele não me respondeu. Achei estranho, em seguida pensei: "tá mais doido hoje que os outros dias."
Umas duas horas depois dessa ultrapassagem estranha eu recebo um telefonema em casa dizendo que Severino havia colidido, com um caminhão, num cruzamento que o levaria a uma cidadezinha aqui perto de Patos, onde seus pais moravam...
No velório de Severino contei aos nossos amigos o fato de ter permitido que ele me ultrapassasse num daqueles semáforos perto do nosso Bairro. Por muito tempo eu me senti culpada ao pensar no tal “se”: “e se eu não tivesse dado passagem pra ele?”
Depois, ainda bem, conclui que o destino da maioria dos homens que acredita ser maior que o carro que dirige é colidir com algo maior ainda, mais dia, menos dia. Infelizmente.
Sinto saudade de Severino, de seus argumentos loucos, das risadas que ele me provocava e, também, daquelas ultrapassagens que me permitiam encontrá-lo, no trabalho, no dia seguinte.
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2 comentários:

Anônimo disse...

Tragicômico, porém fantástico.
Ótimo post.

E, logicamente, você não tem culpa de nada. Ele que foi o imprudente.

Grande abraço.

Rafael Freitas disse...

E, logicamente, você não tem culpa de nada. Ele que foi o imprudente.
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