sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Conversa no velório


Paulo me contou um dia que não se recordava muito bem do primeiro velório que havia ido, mas se recordava daquele que ganhou um beliscão doloroso e daquele outro em que as pessoas davam risadinhas e cochichavam umas com as outras. 
Um riso frouxo da senhora que estava sentada perto da porta despertou-lhe a atenção. Olhou ao redor e quase todos riam também, exceto a mulher do falecido que chorava debruçada sobre o caixão e que recebia os cumprimentos sempre cabisbaixa.
Paulo chegou mais perto e pensou que poderia ouvir a causa de tanto burburinho e entender o porquê naquele lugar, onde deveria haver só comoção, havia risadinhas e muito disse me disse.
Afinal, velório é lugar sério, de orações e de choro, não de correria, risos e conversinhas. Fora isso que lhe disseram no velório de sua avó, quando corria e brincava com seus primos e irmãos. Disseram depois de receber aquele beliscão que doeu a alma. Dele e dos amiguinhos. Todos foram "agredidos" pela tia brava. Exatamente a tia que mais ria no velório marcante daquele dia em que apenas uma pessoa chorava: a viúva.
Foi então que Paulo ouviu a senhora cochichar com a outra mulher feia que acabara de chegar. “A Maria pegou o marido com a boca na botija, deu um grito tão grande, ele se assustou tanto e morreu do coração... e o compadre dele, o Seu Zé da venda, saiu correndo com as calças na mão.”  
Meu amigo demorou anos para entender o sofrimento daquela mulher debruçada no caixão e até hoje não entende a maldade alheia. E tem medo dessa maldade, pois é da turma do defunto e do compadre Zé. "Com muito orgulho, Rosana", me dizia ele, apesar de ter algum receio de atitudes similares a que viu.
Mas ele nunca entendeu a graça em rir de alguém que foi traído. Ele me pedia para tentar explicá-lo, mas né... como explicar essa idiotice?
Paulo me dizia acreditar que talvez o choro daquela mulher tenha sido mais triste ainda porque descobriu  que seria a partir da morte do marido, além de viúva traída uma mulher solitária... pois sem nenhum amigo. 


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